Nossa história | Our story
O capítulo, a (auto)identificação dos acusados e a constituição do coletivo
O coletivo foi constituído, em abril de 2023, na sequência da publicação do capítulo “The Walls Spoke When No One Else Would. Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia”, de Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadia Tom, incluído no livro Sexual Misconduct in Academia, organizado por Erin Pritchard e Delyth Edwards (Routledge, 2023). O capítulo, amplamente divulgado na academia internacional antes de ser retirado de circulação pela editora, denuncia um padrão estrutural de assédio moral e sexual no CES e relata a história das pichagens que, alguns anos antes, ocuparam várias paredes de Coimbra, com a denúncia: "Fora Boaventura. Todas sabemos!". Ainda que o capítulo não mencione nomes, duas pessoas autoidentificaram-se como visadas e solicitaram a autossuspensão provisória enquanto investigadores do CES: Boaventura de Sousa Santos reconheceu-se na figura do "Professor Estrela" e Bruno Sena Martins identificou-se como "Aprendiz". O primeiro está jubilado, o segundo continua suspenso até hoje, sem que o seu salário de investigador auxiliar tivesse sido cortado. Maria Paula Meneses nunca assumiu ser a "Sentinela", mas foi identificada enquanto tal numa notícia de 15 de abril de 2023 do jornal português Diário de Notícias. Apesar da reação intempestiva de Boaventura, que reproduziu na resposta os mecanismos de silenciamento usados na academia, negando as acusações e classificando as autoras depreciativamente, foi possível dar início à discussão de um assunto que, há décadas, era falado nas redes de sussurro da academia.
the chapter, the (self-)identification of the accused, and the constitution of the collective
The collective was formed in April 2023, following the publication of the chapter “The Walls Spoke When No One Else Would. Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia” by Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro, and Miye Nadia Tom, included in the book Sexual Misconduct in Academia, edited by Erin Pritchard and Delyth Edwards (Routledge, 2023). The chapter, widely circulated in international academia before being withdrawn by the publisher, denounces a structural pattern of moral and sexual harassment at CES and recounts the story of the graffiti that, a few years earlier, covered several walls in Coimbra with the statement: "Boaventura out! We [women] all know!" Although the chapter does not mention names, two individuals self-identified as the subjects of the allegations and requested provisional self-suspension as CES researchers: Boaventura de Sousa Santos recognized himself as the "Star Professor," and Bruno Sena Martins identified himself as the "Apprentice." The former is retired, while the latter remains suspended to this day, though his researcher salary has not been cut. Maria Paula Meneses never acknowledged being the "Watchwomen," but she was identified as such in an April 15, 2023 news article by the Portuguese newspaper Diário de Notícias. Despite Boaventura's hasty reaction, in which he reproduced the silencing mechanisms used in academia by dismissing the authors pejoratively, it was possible to initiate a discussion about an issue that was mentioned in a whisper network for decades.
o restabelecimento das relações e o reconhecimento do padrão de violência
O primeiro passo foi aproximarmo-nos depois de anos de afastamento na sequência de episódios de violência, alguns profundamente traumáticos, que incluíram diferentes mecanismos de assédio sexual, abusos sexuais, extractivismo intelectual, mas também um assédio moral demolidor, que passou pela imposição de um ambiente de competitividade tóxica; pela disseminação de intrigas, que desfizeram laços; pela manipulação emocional, que gerou inseguranças e desconfianças várias e pela enorme contradição entre a teoria anti opressão apregoada e as práticas em ambiente laboral. Quando começámos a falar umas com as outras, já em 2023, demos conta do padrão marcado de assédio e extractivismo e da profundidade, abrangência e gravidade do problema nas equipas de Boaventura de Sousa Santos.
The re-establishment of relationships and the acknowledgment of the pattern of violence
The first step was reconnecting after years of distance caused by episodes of violence, some of which were deeply traumatic. These included various forms of sexual harassment, sexual abuse, intellectual extractivism, and also devastating moral harassment. This harassment involved the imposition of a toxic competitive environment that severely damaged our mental health; the spread of rumors that destroyed relationships; emotional manipulation that generated insecurities and mistrust; and a stark contradiction between the professed anti-oppression theory and actual practices. When we began talking to one another in 2023, we realized the clear pattern of violence, as well as the depth, scope, and severity of the problem within Boaventura de Sousa Santos' teams.
As cartas abertas
As cartas abertas foram a forma que o coletivo encontrou para dialogar com as instituições e público em geral. Através das cartas, que estão disponíveis na íntegra, colocámo-nos ao lado das autoras do capítulo, rejeitámos os argumentos de Boaventura, exigimos uma comissão independente para investigar o caso e um processo centrado na perspetiva das vítimas, reivindicámos garantias de não repetição e medidas de reparação, e dirigimo-nos ao CES, à Universidade de Coimbra, à Procuradoria Geral da República, à Assembleia da República e aos partidos políticos.
A denúncia à comissão independente do CES
Em 30 de setembro de 2023, o coletivo entregou à Comissão Independente, entretanto criada, um dossier de 213 páginas, que incluía relatos de assédio moral e sexual, abuso de poder e extractivismo intelectual, sustentados por fatos detalhados, evidências e a identificação de 18 testemunhas dispostas a corroborar os eventos descritos. Ao todo, 10 mulheres relataram as violências que vivenciaram, cobrindo mais de 20 anos da história do CES.
The open letters
Open letters were the means the collective chose to engage in dialogue with institutions and the general public. Through these letters, which are available in full, we stood by the authors of the chapter, rejected Boaventura's arguments, demanded an independent commission to investigate the case and a process centered on the victims' perspective, called for guarantees of non-repetition and reparative measures, and addressed the CES (Centre for Social Studies), the University of Coimbra, the Public Prosecutor's Office, the Portuguese Parliament, and political parties.
The complaint to the independent commission of CES
On September 30, 2023, the collective submitted a 213-page dossier to the Independent Commission, which had been created in the meantime. The dossier included accounts of moral and sexual harassment, abuse of power, and intellectual extractivism, all supported by detailed facts, evidence, and the identification of 18 witnesses willing to corroborate the events described. In total, 10 women reported the violence they had experienced, covering more than 20 years of CES history.
Os resultados da comissão independente
No dia 13 de março de 2024 a comissão independente tornou público o relatório da investigação, que concluiu o que afirmávamos há um ano: a informação reunida e as versões entre as pessoas denunciantes e pessoas denunciadas que foram compatíveis entre si “indiciam padrões de conduta de abuso de poder e assédio por parte de algumas pessoas que exerciam posições superiores na hierarquia do CES”.
A nota de desculpa do ces às vítimas
Na sequência deste relatório, a Presidência do Conselho Científico e a Direção do CES redigiram uma carta aberta de desculpas às vítimas. No entanto, como a Comissão Independente tinha o compromisso de manter o anonimato das vítimas e não pôde garantir o direito de contraditório das pessoas acusadas, o relatório não nomeia ou responsabiliza agressores individuais.
A saída do anonimato
Para garantir ação consequente por parte do CES e de outras entidades com responsabilidades administrativas e judiciais, na sexta carta o coletivo revelou as identidades de algumas das mulheres envolvidas e expressou disposição para compartilhar as suas histórias concretas, já que os responsáveis continuaram a negar qualquer responsabilidade. Mais tarde, algumas mulheres do coletivo deram uma entrevista à Pública, na qual relataram episódios de assédio sexual, assédio moral, abuso de poder, abuso sexual e extrativismo intelectual que vivenciaram no CES.
The results of the Independent Commission
On March 13, 2024, the Independent Commission publicly released the investigation report, which confirmed what we had been asserting for a year: "the analysis of all the information received, and the hearings of whistleblowers and persons reported that were compatible between them, indicate patterns of conduct involving abuse of power and harassment on the part of some people who held senior positions in the CES hierarchy".
The CES apology to the victims
Following this report, the Presidency of the CES Scientific Board and the CES Direction drafted an open letter of apology to the victims. However, since the Independent Commission was committed to maintaining the anonymity of the victims and could not guarantee the right to a defense for the accused, the report does not name the perpetrators.
Breaking Anonymity
To ensure decisive action by CES and other bodies with administrative and judicial responsibilities, in the sixth letter, the collective revealed the identities of some of the women involved and expressed their willingness to share their specific stories, as those responsible continued to deny all abuses and evade responsibility and the consequences. Later, some women from the collective gave an interview to Pública, in which they recounted episodes of sexual harassment, moral harassment, abuse of power, sexual abuse, and intellectual extractivism that they experienced at CES.
O INQUÉRITO EM CURSO
Após receber a sexta carta, o CES deu início a um processo prévio de inquérito com vista ao apuramento de todos os factos concretos e seus agentes. As mulheres do coletivo voltaram a apresentar denúncias, com episódios concretos, relatos detalhados e elementos probatórios. Esse inquérito encontra-se, atualmente, em curso, a par da investigação levada a cabo pelo Ministério Público.
acões judiciais de boaventura contra as vítimas
No dia 30 de setembro de 2024, enquanto decorre o inquérito no CES, Boaventura de Sousa Santos anuncia, através de uma carta enviada à comunicação social, que intentou uma ação judicial contra as três mulheres do coletivo que que assinaram a sexta carta e residem em Portugal e que, brevemente, irá intentar uma ação contra as que não residem em Portugal.
a nossa resposta
No dia 2 de outubro, na sequência das ameaças de Boaventura na comunicação social, o coletivo emitiu um comunicado, que está disponível na íntegra [clicar no símbolo]. No documento, afirmamos que estivemos sempre empenhadas em documentar de forma sustentada as nossas denúncias e seguimos os procedimentos estabelecidos, cumprindo o que nos foi exigido, quer pela Comissão Independente, em 2023, quer pelo grupo de pessoas instrutoras indicadas pelo CES, em 2024. A verdade é que que enquanto nos submetemos às regras e aos procedimentos das comissões criadas para apuração dos fatos, é Boaventura de Sousa Santos quem se foi servindo da influência e dos meios de que dispõe na expectativa de conseguir manipular procedimentos legais e subverter resultados que lhe são desfavoráveis, como o resultado do relatório da Comissão Independente, que reconheceu a existência do padrão de assédio e abuso.
THE ONGOING INQUIRY
After receiving the sixth letter, CES initiated a preliminary inquiry process aimed at establishing all the specific facts and identifying those responsible. The women from the collective submitted new complaints, providing specific episodes, detailed accounts, and evidence. This inquiry is currently ongoing, alongside the investigation being conducted by the Public Prosecutor's Office.
Boaventura's lawsuits against the victims
On September 30, 2024, while the inquiry at CES is ongoing, Boaventura de Sousa Santos announces that he has filed a lawsuit against the three women from the collective who signed the sixth letter and live in Portugal. He also stated that he will soon file a lawsuit against those who do not live Portugal.
Our Response
Following what we learned from the media, the collective issued a statement, which is available in Portuguese in full and will be available in English soon.
o processo de boaventura contra as vítimas
No dia 10 de outubro de 2024, Boaventura ingressou com uma ação de tutela de personalidade contra quatro das mulheres do coletivo: Sara Araújo, Carla Paiva, Teresa Cunha e Gabriela Rocha. Apesar de Boaventura continuar a escrever artigos de opinião, a publicar em revistas científicas e continuar a ser convidado para eventos internacionais, alegou, no processo contra as vítimas, um “golpe mortal na sua personalidade”, bem como a existência “de uma mão que se esconde por detrás do arbusto”, insinuando, de forma sexista, que as mulheres do coletivo não pensam pela sua própria cabeça e que o golpe na sua reputação é responsabilidade das denunciantes e não dos abusos cometidos. Nesse processo, exige não só que as mulheres desmintam publicamente todas as acusações, mas que reconheçam o profundo respeito e reconhecimento que sempre tiveram pelo Professor Boaventura Sousa Santos. A ação de tutela de personalidade tem por objetivo evitar ameaça ilícita ao direito da personalidade, isto é, à honra, ao bom nome, à reputação, etc. Visa também atenuar, ou fazer cessar, os efeitos de uma ofensa já cometida. Essa ação é feita através de um processo especial e mais rápido. A audiência de julgamento está marcada já para o dia 15 de novembro, em Portugal. Não há sombra de dúvida de que a onra, os nomes e a reputação que foram ofendidas são os das mulheres que foram assediadas sexualmente e sofreram com o assédio moral. Denunciar situações de assédio é um direito das mulheres e não pode ser considerado ilícito. O objetivo deste processo é silenciar e intimidar as mulheres que continuam a denunciá-lo. Na 6ª carta do coletivo de vítimas de assédio do Centro de Estudos Sociais, 13 mulheres do Coletivo saíram do anonimato. É nesta Carta e na entrevista que as mulheres do Coletivo deram à Agência Público que Boaventura sustenta a sua ação judicial contra a vítima. Na Carta, o Coletivo reivindica um processo sério de responsabilização das pessoas envolvidas nos atos de assédio moral e sexual, abuso de poder e extrativismo intelectual e medidas de reparação. E defende que sejam dadas consequências ao Relatório da Comissão Independente. Na entrevista, as mulheres narraram experiências pessoais e dolorosas do que haviam sofrido enquanto eram estudantes e investigadoras e trabalhavam com Boaventura de Sousa Santos. Mais de 10 mulheres assinaram a 6ª Carta do Coletivo. Mais de 10 mulheres denunciaram os assédios. A escolha de 4 mulheres como alvo quando as denúncias foram feitas por mais de 10 mulheres é um exemplo de lawfare de gênero. O sistema de justiça está sendo usado para isolar essas mulheres como alvo. O objetivo é fazer essas mulheres de exemplo e com isso intimidar todas as pessoas que se atreveram a denunciar.